terça-feira, 2 de junho de 2009

Paulinho da Viola, o filósofo do samba
Por Regina Carvalho

Não serei original: Paulinho foi um rio que passou em minha vida, e meu coração se deixou levar...

Como resistir à voz doce, ao jeito manso, aos sambas cheios de reflexão? Quando ele diz: "tá legal, eu aceito o argumento /mas não me altere o samba tanto assim..." [Argumento] vejo que além de tudo é coerente, cuidou de manter seus sambas no que acreditava ser o ideal, e traz neles muita reflexão sobre a vida, o amor, a amizade.

Até quando pisa na bola Paulinho é genial. Uma vez amigo mangueirense lhe pediu um samba pra Mangueira. E ele fez. A bronca de seus companheiros da Portela foi terrível, mas a canção está entre as mais bonitas do cancioneiro nacional:" Vista assim do alto /mais parece o céu no chão..." E vai me criar alguns versos eivados dessa filosofia simples e acertada que é sua característica principal: " (...) a vida não é só isso que se vê/ é um pouco mais/ que os olhos não conseguem perceber / as mãos não ousam tocar / e os pés recusam pisar./Sei lá, não sei..."[Sei lá,Mangueira]

Um de seus sambas inovou, propondo um diálogo entre dois amigos, cada um isolado em seu carro, que se reencontram em um sinal : " - Olá,como vai? - Tudo bem, eu vou indo, e você? - Tudo bem eu vou indo em busca de um sonho perdido, quem sabe..." Esta canção, chamada Sinal Fechado, faz mais do que falar do isolamento humano, da dor de se perder os amigos pelo caminho, e encontrar assim, de repente, em momento em que o contato não é mais possível. Tornou-se ainda um dos símbolos do que era viver sob uma ditadura militar, com todos os sinais sempre no vermelho.

Fico indignada quando me perguntam, de qualquer compositor de que eu goste, qual é minha canção favorita. Quando se conhece bem a obra, todas são especiais, significativas, representativas de fases do autor, de momentos de sua vida ou da vida do país.

Há aquelas, porém,que nos DIZEM mais, que nos tocam mais de perto, aquelas que faríamos, se pudéssemos, se o dom nos tivesse sido concedido. Da obra de Paulinho, essas especiais são duas: Coisas do mundo, minha nega, e Para um amor no Recife.

Na primeira, os fatos do cotidiano que colocam o compositor diante dos mistérios da vida. E ele fecha de maneira magistral:

"Hoje eu vim,minha nega Sem saber nada da vida Querendo aprender contigo As formas de se viver As coisas estão no mundo, Só que eu preciso aprender...

"E, na segunda, declaração de amor para ninguém botar defeito:

"A razão porque mando um sorriso
E não corro
É que andei levando a vida
Quase morto
Quero fechar a ferida
Quero estancar o sangue
E sepultar bem longe
O que restou da camisa
Colorida que cobria minha dor
Meu amor, eu não me esqueço
Não se esqueça, por favor
Que voltarei depressa
Tão logo a noite acabe
Tão logo este tempo passe
Para beijar você"

2 comentários:

Adalberto Day disse...

Regina
Escreve muito bem este texto do grande Paulinho da Viola. Adorei também o espaço que o Valdir nos oferece.
Paulino da Viola além de grande cantor e compositor, possui bom gosto é vascaíno
um abraço e parabéns.
Adalberto day cientista social e pesquisador em Blumenau SC
www.adalbertoday@hotmal.com

Valdir Appel disse...

Valeu Adalberto. Você é 10. Abraço.